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Argentina: após estabilização econômica em seu 1° ano, Milei deve enfrentar 'dívida social' em 2025

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Javier Milei começa o segundo ano de governo agradecendo aos argentinos “pelo comovedor sacrifício de 2024”, prometendo “tempos felizes em 2025” porque “o pior já passou”. Mas, o mesmo ajuste fiscal que permitiu a estabilidade da economia no primeiro ano, também fez os argentinos perderem poder de compra e nível de vida. Paradoxalmente, mais da metade da população continua a apoiar o governo, não por estar bem, mas por acreditar que estará melhor. Como Milei, um ‘outsider’ da política, sem estrutura partidária nem experiência, conseguiu uma tolerância social para o que o próprio define com orgulho como “o maior ajuste fiscal da história da humanidade”?

Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Na noite desta terça-feira (10), o presidente argentino usou a rede nacional de rádio e TV para um balanço sobre o seu primeiro ano de governo e para anúncios sobre o segundo ano de governo, que começa agora. “O sacrifício feito é comovedor e garanto-lhes que não foi em vão. Deixamos para trás o pior. O futuro será cada vez melhor. Serão tempos felizes na Argentina”, assegurou Javier Milei, rodeado pelo seu gabinete de ministros.

O presidente anunciou que, no ano que vem, acabarão as restrições cambiais e de movimento de capitais. Na Argentina, os fluxos de capitais, principalmente as saídas de dinheiro do país, estão proibidas. Além disso, não se pode comprar moedas estrangeiras com a cotação oficial. Com isso, as empresas não podem fazer remessas de dividendos e as pessoas precisam recorrer a mercados alternativos. Assim como o dinheiro não sai, também não entra porque nenhum investidor externo entra num mercado do qual depois não pode sair.

“Essa prisão cambial, uma aberração que nunca deveria ter existido, vai terminar no ano que vem e para sempre. Será através de um novo plano com o Fundo Monetário Internacional ou através de um acordo com investidores privados”, afirmou o presidente. O país precisa voltar a crescer para gerar emprego e assim fazer com que a estabilização da economia, alcançada neste primeiro ano de governo, chegue ao bolso dos argentinos.

Em linha com o objetivo de atrair investimentos que sustentem o plano econômico, Milei também anunciou uma reforma tributária com redução de 90% dos impostos nacionais. Além disso, a Argentina se prepara para irromper no cenário internacional como fornecedora de energia a partir da segunda maior reserva de petróleo e gás de xisto do mundo. Também para começar a explorar grandes reservas de lítio e cobre. O país quer ser um centro de referência para as companhias tecnológicas de Inteligência Artificial.

“Que ninguém se surpreenda se a Argentina se tornar o próximo ‘hub’ de inteligência artificial do mundo. Vamos desenhar um plano nuclear que contemple a construção de novos reatores”, projetou Milei.

A convicção do presidente tem entusiasmado os empresários, gratamente surpreendidos pelo primeiro ano com resultados acima dos esperados.

“Há muito bons resultados, sem dúvida. A minha empresa cresceu bastante neste primeiro ano. Estamos contentes. E as expectativas para o próximo ano são de crescimento, tanto que compramos quatro veículos na semana passada, contratamos duas pessoas e vamos contratar mais dez, aumentando em 10% o número de pessoal. Depois de seis anos de estagnação sem contratações nem aumento de frota, voltamos a crescer”, celebra em entrevista à RFI o empresário Juan Méndez, dono de uma companhia de transporte e logística em Villa Adelina, a 25 Km de Buenos Aires.

Méndez é um dos quatro empresários fundadores de um grupo que reúne mais de mil pequenos e médios empresários, empreendedores e produtores, criado em 26 de dezembro de 2023 com o objetivo de defender as reformas do então novo governo Milei perante legisladores e juízes. “Todos os empresários estão muito entusiasmados com esta mudança no país. Estamos todos com muita esperança neste governo que promete bem-estar para todos, tanto para os trabalhadores quanto para os empresários”, aponta Méndez.

Milei também anunciou que a famosa “serra elétrica”, emblema das economias que prometeu, vai continuar com cortes no Estado, agora ainda mais profundos, eliminando organismos, secretarias e empresas públicas. Neste primeiro ano, foram suprimidos 10 ministérios, 100 secretarias e subsecretarias, 200 áreas com funções duplicadas e demitidos 34 mil funcionários públicos. “Até agora, eliminamos 800 normas e queremos fazer 3.200 reformas estruturais até o final do mandato”, prometeu Milei.

O presidente foi eleito para usar a “serra elétrica” contra o que ele denominou “casta política”, fazendo com que o ajuste fosse pago pelos privilegiados de viver do Estado. Porém, também diluiu reformas e salários. No primeiro semestre do ano, a pobreza aumentou 11,2 pontos, atingindo 52,9% da população, recorde dos últimos 21 anos.

O casal Andrea Rodríguez, de 28 anos, e Alejandro Rus, de 39 anos, caiu nessa estatística logo nos primeiros meses de governo. “Eu votei no Milei porque acreditei que as coisas podiam mudar, mas pioraram e continuam a piorar. Estou arrependida do meu voto. Cada vez mais as pessoas estão perdendo o trabalho e a morrer de fome”, critica Andrea em entrevista à RFI, dando como outro exemplo o irmão que, para não perder o emprego, teve de aceitar uma redução no salário.

O casal vem todas as noites à Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, palácio do governo, onde uma rede solidária de voluntários distribui comida e roupas, doadas por empresas. “Se não fosse por essa ajuda, não teríamos um prato de comida nem o que vestir”, agradece Andrea.

Alejandro perdeu o trabalho como ferreiro, não consegue como cozinheiro e sobrevive de trabalhos esporádicos. No começo do governo, o casal passou a viver na rua, sem poder mais pagar o aluguel.

“Quando conseguimos um pouco de dinheiro, os preços nos supermercados são exorbitantes. A minha perspectiva de conseguir trabalho é baixa porque o desemprego aumenta a cada dia. Cada vez há menos dinheiro na rua e cada vez pagam menos”, lamenta Alejandro à RFI.

Popularidade apesar do ajuste

Um dos maiores desafios de Milei em 2025 é como fazer com que o ajuste fiscal tenha um impacto positivo na melhora do poder aquisitivo dos argentinos. Para o presidente, a resposta é o crescimento econômico que gere emprego.

Desde que Milei assumiu o poder em 10 de dezembro de 2023, a inflação acumulada é de 159,7%. Nesta quarta-feira (11), será anunciado o índice de inflação de novembro, previsto em torno de 3%; o que elevaria a conta Milei a 164,5%.

A perda do poder aquisitivo dos salários, em média, é de 27%. Essa perda recai sobretudo na classe média, segmento social que pagou a maior parte do ajuste fiscal de 5 pontos do Produto Interno Bruto (PIB) de uma só vez, desde o primeiro mês de governo.

“O consumo, a perda de capacidade aquisitiva dos salários e os problemas de emprego são os déficits deste primeiro ano de governo. O surpreendente é que o nível de apoio social a Milei se mantenha”, observa o analista político Lucas Romero, da consultora Synopsis.

Uma das maiores incógnitas dos analistas de opinião pública é como explicar que um ajuste econômico, pela primeira vez, não signifique perda de capital político. A resposta resume-se a uma palavra: esperança.

Milei mantém uma imagem positiva entre 50% e 53% depois de aplicar o que ele mesmo chama de “o maior ajuste fiscal da história da humanidade”. Quando perguntada sobre o que espera de 2025, essa metade da população acredita que será um ano melhor. Apesar da perda do nível de vida e da capacidade de consumo, a maior parte da população vê um país em reformas cujos números da economia encontraram um ponto de estabilidade, algo que não acontecia na Argentina desde 2011, quando o déficit fiscal fez a inflação disparar, provocou uma corrida cambial e a aplicação, pela primeira vez, de controles de capital.

“As pessoas depositam as suas expectativas no futuro. São mais os que veem o futuro com otimismo do que os que têm satisfação no presente. As pessoas sentem que este processo pode gerar resultados”, percebe Lucas Romero ao ler as suas pesquisas.

“Em novembro, 57% das pessoas disseram que tinham recuperado pouco ou nada o poder de consumo em comparação ao que consumiam um ano antes. Outros 56% disseram que não se sentiam retribuídos pelo sacrifício feito. Não há uma opinião pública a desfrutar, mas a aguentar. E só aguenta porque aposta nessa expectativa de resultados futuros. E usam como referência para essa expectativa a principal demanda social: o índice de inflação em queda”, explica.

A trajetória da inflação é de queda. O atual patamar de 3% ao mês é alto para qualquer economia normal, mas em dezembro de 2023 estava em 25,5% com risco iminente de hiperinflação.

“É no plano macroeconômico que o governo Milei exibe o seu melhor desempenho, com um plano de estabilização bem-sucedido. O plano microeconômico, no entanto, é onde está o principal déficit”, compara Romero.

Governabilidade, apesar de minoria parlamentar

Javier Milei é um ‘outsider’ total do sistema. Não tinha estrutura partidária, não tinha experiência política e tinha uma minoria absoluta de 10% de senadores e de 15% de deputados.

“Há um ano, havia um grande ceticismo sobre o nosso governo ter sucesso. Diziam que não tínhamos experiência nem a capacidade e o poder político necessários para cumprir os nossos objetivos. Diziam que o nosso governo não duraria nem três meses. E, mesmo com todos contra, fizemos a maior reforma estrutural da história argentina. Imaginem o que podemos fazer com o vento a favor”, disse Milei no seu pronunciamento pelo primeiro ano de governo.

O analista Lucas Romero, uma referência na Argentina, concorda: “A primeira pergunta que nos fazíamos era como faria Milei para governar. A melhor resposta veio em duas palavras: apoio social. A elevada popularidade de Milei permitiu que o presidente obturasse a resistência política. A oposição ficou impedida de exercer uma resistência maior”.

Duas greves gerais, dezenas de paralisações setoriais, manifestações maciças a favor de causas nobres como aposentados, professores e estudantes chegaram a provocar uma queda da imagem de Milei entre maio e setembro, mas a estabilidade do peso argentino e dos preços permitiu uma recuperação.

“Os resultados econômicos geraram apoio social e esse apoio permitiu avançar com o plano econômico, mesmo num contexto de deterioração da capacidade de consumo e da qualidade de vida”, avalia Lucas Romero.

O segundo ponto de governabilidade foram os aliados no Congresso que blindaram o governo, ajudando na aprovação de leis e no veto a leis populares, mas que afetavam o superávit fiscal conquistado. O principal ator foi o ex-presidente Mauricio Macri. A regra de ouro deste governo, o déficit fiscal zero, foi protegida pela centro-direita.

O terceiro ponto foi uma fragmentação da oposição que ainda procura uma liderança capaz de enfrentar Milei. Por isso, como já se viu neste primeiro ano, se a economia crescer, Milei terá muitas chances de eleger a maioria dos parlamentares nas eleições legislativas de outubro do ano que vem. Se isso acontecer, o presidente ganha fôlego para avançar com reformas estruturais.

“Vamos pôr sobre a mesa uma agenda de reformas profundas para baixar impostos e devolver o dinheiro ao setor privado. Uma reforma tributária, uma reforma previdenciária, uma verdadeira reforma do trabalho, uma reforma nas leis de segurança nacional, uma profunda reforma penal, uma reforma política e outras tantas reformas das que o país precisa há décadas”, antecipou Milei.

“Será uma eleição entre os políticos do passado e a nossa agenda do futuro. Vamos plebiscitar os pilares sobre os quais queremos construir esta nova Argentina”, indicou, pondo a sua gestão como um plebiscito nas próximas eleições dentro de 10 meses.

Sinais de alerta na economia

Os riscos econômicos existem, mas, por enquanto, estão no terreno da advertência. Milei assumiu com as reservas do Banco Central argentino no vermelho: US$ 11 bilhõe negativos. Um ano depois, as reservas continuam negativas em US$ 5 bilhões.

Essa vulnerabilidade, que pode derivar numa desestabilização econômica, explica o receio do governo em eliminar os controles de capital. A estabilidade econômica, conquistada através do superávit fiscal, da emissão zero de dinheiro e da administração do ritmo de desvalorização da moeda (2% ao mês, bem abaixo da inflação), fez com que o peso argentino fosse a moeda que mais se valorizasse no mundo. Uma valorização acima de 40%. Com uma moeda valorizada, a alta inflação na Argentina foi em dólares.

O problema dessa moeda artificialmente valorizada é que a produção da Argentina ficou cara e o país pode ter problemas para exportar produtos industrializados, aqueles que mais geram emprego. Foi o que, na década de 1990, durante o plano de conversibilidade que equiparou o peso ao dólar, fez a Argentina perder competitividade e aumentar o desemprego.

“Nem todos os setores estão contentes, nem todos estão bem, particularmente aqueles que podem sofrer a libertação das importações. Estão preocupados”, admite o empresário Juan Méndez.

Os setores que crescem nesta Argentina são os vinculados com os preços internacionais das matérias primas como agricultura (+3,1%) e minérios (+7,6%), que menos empregos geram. Os setores que encolhem são os que mais emprego geram como construção (-16,6%), comércio (-8,3%) e indústria manufatureira (-6,2%).

A Argentina deve fechar o ano com uma queda de 3,6% do Produto Interno Bruto, mas voltará a crescer no ano que vem, pelo menos, outros 3,6%.

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Márcio Resende, correspondente da RFI em Buenos Aires

Na noite desta terça-feira (10), o presidente argentino usou a rede nacional de rádio e TV para um balanço sobre o seu primeiro ano de governo e para anúncios sobre o segundo ano de governo, que começa agora. “O sacrifício feito é comovedor e garanto-lhes que não foi em vão. Deixamos para trás o pior. O futuro será cada vez melhor. Serão tempos felizes na Argentina”, assegurou Javier Milei, rodeado pelo seu gabinete de ministros.

O presidente anunciou que, no ano que vem, acabarão as restrições cambiais e de movimento de capitais. Na Argentina, os fluxos de capitais, principalmente as saídas de dinheiro do país, estão proibidas. Além disso, não se pode comprar moedas estrangeiras com a cotação oficial. Com isso, as empresas não podem fazer remessas de dividendos e as pessoas precisam recorrer a mercados alternativos. Assim como o dinheiro não sai, também não entra porque nenhum investidor externo entra num mercado do qual depois não pode sair.

“Essa prisão cambial, uma aberração que nunca deveria ter existido, vai terminar no ano que vem e para sempre. Será através de um novo plano com o Fundo Monetário Internacional ou através de um acordo com investidores privados”, afirmou o presidente. O país precisa voltar a crescer para gerar emprego e assim fazer com que a estabilização da economia, alcançada neste primeiro ano de governo, chegue ao bolso dos argentinos.

Em linha com o objetivo de atrair investimentos que sustentem o plano econômico, Milei também anunciou uma reforma tributária com redução de 90% dos impostos nacionais. Além disso, a Argentina se prepara para irromper no cenário internacional como fornecedora de energia a partir da segunda maior reserva de petróleo e gás de xisto do mundo. Também para começar a explorar grandes reservas de lítio e cobre. O país quer ser um centro de referência para as companhias tecnológicas de Inteligência Artificial.

“Que ninguém se surpreenda se a Argentina se tornar o próximo ‘hub’ de inteligência artificial do mundo. Vamos desenhar um plano nuclear que contemple a construção de novos reatores”, projetou Milei.

A convicção do presidente tem entusiasmado os empresários, gratamente surpreendidos pelo primeiro ano com resultados acima dos esperados.

“Há muito bons resultados, sem dúvida. A minha empresa cresceu bastante neste primeiro ano. Estamos contentes. E as expectativas para o próximo ano são de crescimento, tanto que compramos quatro veículos na semana passada, contratamos duas pessoas e vamos contratar mais dez, aumentando em 10% o número de pessoal. Depois de seis anos de estagnação sem contratações nem aumento de frota, voltamos a crescer”, celebra em entrevista à RFI o empresário Juan Méndez, dono de uma companhia de transporte e logística em Villa Adelina, a 25 Km de Buenos Aires.

Méndez é um dos quatro empresários fundadores de um grupo que reúne mais de mil pequenos e médios empresários, empreendedores e produtores, criado em 26 de dezembro de 2023 com o objetivo de defender as reformas do então novo governo Milei perante legisladores e juízes. “Todos os empresários estão muito entusiasmados com esta mudança no país. Estamos todos com muita esperança neste governo que promete bem-estar para todos, tanto para os trabalhadores quanto para os empresários”, aponta Méndez.

Milei também anunciou que a famosa “serra elétrica”, emblema das economias que prometeu, vai continuar com cortes no Estado, agora ainda mais profundos, eliminando organismos, secretarias e empresas públicas. Neste primeiro ano, foram suprimidos 10 ministérios, 100 secretarias e subsecretarias, 200 áreas com funções duplicadas e demitidos 34 mil funcionários públicos. “Até agora, eliminamos 800 normas e queremos fazer 3.200 reformas estruturais até o final do mandato”, prometeu Milei.

O presidente foi eleito para usar a “serra elétrica” contra o que ele denominou “casta política”, fazendo com que o ajuste fosse pago pelos privilegiados de viver do Estado. Porém, também diluiu reformas e salários. No primeiro semestre do ano, a pobreza aumentou 11,2 pontos, atingindo 52,9% da população, recorde dos últimos 21 anos.

O casal Andrea Rodríguez, de 28 anos, e Alejandro Rus, de 39 anos, caiu nessa estatística logo nos primeiros meses de governo. “Eu votei no Milei porque acreditei que as coisas podiam mudar, mas pioraram e continuam a piorar. Estou arrependida do meu voto. Cada vez mais as pessoas estão perdendo o trabalho e a morrer de fome”, critica Andrea em entrevista à RFI, dando como outro exemplo o irmão que, para não perder o emprego, teve de aceitar uma redução no salário.

O casal vem todas as noites à Praça de Maio, em frente à Casa Rosada, palácio do governo, onde uma rede solidária de voluntários distribui comida e roupas, doadas por empresas. “Se não fosse por essa ajuda, não teríamos um prato de comida nem o que vestir”, agradece Andrea.

Alejandro perdeu o trabalho como ferreiro, não consegue como cozinheiro e sobrevive de trabalhos esporádicos. No começo do governo, o casal passou a viver na rua, sem poder mais pagar o aluguel.

“Quando conseguimos um pouco de dinheiro, os preços nos supermercados são exorbitantes. A minha perspectiva de conseguir trabalho é baixa porque o desemprego aumenta a cada dia. Cada vez há menos dinheiro na rua e cada vez pagam menos”, lamenta Alejandro à RFI.

Popularidade apesar do ajuste

Um dos maiores desafios de Milei em 2025 é como fazer com que o ajuste fiscal tenha um impacto positivo na melhora do poder aquisitivo dos argentinos. Para o presidente, a resposta é o crescimento econômico que gere emprego.

Desde que Milei assumiu o poder em 10 de dezembro de 2023, a inflação acumulada é de 159,7%. Nesta quarta-feira (11), será anunciado o índice de inflação de novembro, previsto em torno de 3%; o que elevaria a conta Milei a 164,5%.

A perda do poder aquisitivo dos salários, em média, é de 27%. Essa perda recai sobretudo na classe média, segmento social que pagou a maior parte do ajuste fiscal de 5 pontos do Produto Interno Bruto (PIB) de uma só vez, desde o primeiro mês de governo.

“O consumo, a perda de capacidade aquisitiva dos salários e os problemas de emprego são os déficits deste primeiro ano de governo. O surpreendente é que o nível de apoio social a Milei se mantenha”, observa o analista político Lucas Romero, da consultora Synopsis.

Uma das maiores incógnitas dos analistas de opinião pública é como explicar que um ajuste econômico, pela primeira vez, não signifique perda de capital político. A resposta resume-se a uma palavra: esperança.

Milei mantém uma imagem positiva entre 50% e 53% depois de aplicar o que ele mesmo chama de “o maior ajuste fiscal da história da humanidade”. Quando perguntada sobre o que espera de 2025, essa metade da população acredita que será um ano melhor. Apesar da perda do nível de vida e da capacidade de consumo, a maior parte da população vê um país em reformas cujos números da economia encontraram um ponto de estabilidade, algo que não acontecia na Argentina desde 2011, quando o déficit fiscal fez a inflação disparar, provocou uma corrida cambial e a aplicação, pela primeira vez, de controles de capital.

“As pessoas depositam as suas expectativas no futuro. São mais os que veem o futuro com otimismo do que os que têm satisfação no presente. As pessoas sentem que este processo pode gerar resultados”, percebe Lucas Romero ao ler as suas pesquisas.

“Em novembro, 57% das pessoas disseram que tinham recuperado pouco ou nada o poder de consumo em comparação ao que consumiam um ano antes. Outros 56% disseram que não se sentiam retribuídos pelo sacrifício feito. Não há uma opinião pública a desfrutar, mas a aguentar. E só aguenta porque aposta nessa expectativa de resultados futuros. E usam como referência para essa expectativa a principal demanda social: o índice de inflação em queda”, explica.

A trajetória da inflação é de queda. O atual patamar de 3% ao mês é alto para qualquer economia normal, mas em dezembro de 2023 estava em 25,5% com risco iminente de hiperinflação.

“É no plano macroeconômico que o governo Milei exibe o seu melhor desempenho, com um plano de estabilização bem-sucedido. O plano microeconômico, no entanto, é onde está o principal déficit”, compara Romero.

Governabilidade, apesar de minoria parlamentar

Javier Milei é um ‘outsider’ total do sistema. Não tinha estrutura partidária, não tinha experiência política e tinha uma minoria absoluta de 10% de senadores e de 15% de deputados.

“Há um ano, havia um grande ceticismo sobre o nosso governo ter sucesso. Diziam que não tínhamos experiência nem a capacidade e o poder político necessários para cumprir os nossos objetivos. Diziam que o nosso governo não duraria nem três meses. E, mesmo com todos contra, fizemos a maior reforma estrutural da história argentina. Imaginem o que podemos fazer com o vento a favor”, disse Milei no seu pronunciamento pelo primeiro ano de governo.

O analista Lucas Romero, uma referência na Argentina, concorda: “A primeira pergunta que nos fazíamos era como faria Milei para governar. A melhor resposta veio em duas palavras: apoio social. A elevada popularidade de Milei permitiu que o presidente obturasse a resistência política. A oposição ficou impedida de exercer uma resistência maior”.

Duas greves gerais, dezenas de paralisações setoriais, manifestações maciças a favor de causas nobres como aposentados, professores e estudantes chegaram a provocar uma queda da imagem de Milei entre maio e setembro, mas a estabilidade do peso argentino e dos preços permitiu uma recuperação.

“Os resultados econômicos geraram apoio social e esse apoio permitiu avançar com o plano econômico, mesmo num contexto de deterioração da capacidade de consumo e da qualidade de vida”, avalia Lucas Romero.

O segundo ponto de governabilidade foram os aliados no Congresso que blindaram o governo, ajudando na aprovação de leis e no veto a leis populares, mas que afetavam o superávit fiscal conquistado. O principal ator foi o ex-presidente Mauricio Macri. A regra de ouro deste governo, o déficit fiscal zero, foi protegida pela centro-direita.

O terceiro ponto foi uma fragmentação da oposição que ainda procura uma liderança capaz de enfrentar Milei. Por isso, como já se viu neste primeiro ano, se a economia crescer, Milei terá muitas chances de eleger a maioria dos parlamentares nas eleições legislativas de outubro do ano que vem. Se isso acontecer, o presidente ganha fôlego para avançar com reformas estruturais.

“Vamos pôr sobre a mesa uma agenda de reformas profundas para baixar impostos e devolver o dinheiro ao setor privado. Uma reforma tributária, uma reforma previdenciária, uma verdadeira reforma do trabalho, uma reforma nas leis de segurança nacional, uma profunda reforma penal, uma reforma política e outras tantas reformas das que o país precisa há décadas”, antecipou Milei.

“Será uma eleição entre os políticos do passado e a nossa agenda do futuro. Vamos plebiscitar os pilares sobre os quais queremos construir esta nova Argentina”, indicou, pondo a sua gestão como um plebiscito nas próximas eleições dentro de 10 meses.

Sinais de alerta na economia

Os riscos econômicos existem, mas, por enquanto, estão no terreno da advertência. Milei assumiu com as reservas do Banco Central argentino no vermelho: US$ 11 bilhõe negativos. Um ano depois, as reservas continuam negativas em US$ 5 bilhões.

Essa vulnerabilidade, que pode derivar numa desestabilização econômica, explica o receio do governo em eliminar os controles de capital. A estabilidade econômica, conquistada através do superávit fiscal, da emissão zero de dinheiro e da administração do ritmo de desvalorização da moeda (2% ao mês, bem abaixo da inflação), fez com que o peso argentino fosse a moeda que mais se valorizasse no mundo. Uma valorização acima de 40%. Com uma moeda valorizada, a alta inflação na Argentina foi em dólares.

O problema dessa moeda artificialmente valorizada é que a produção da Argentina ficou cara e o país pode ter problemas para exportar produtos industrializados, aqueles que mais geram emprego. Foi o que, na década de 1990, durante o plano de conversibilidade que equiparou o peso ao dólar, fez a Argentina perder competitividade e aumentar o desemprego.

“Nem todos os setores estão contentes, nem todos estão bem, particularmente aqueles que podem sofrer a libertação das importações. Estão preocupados”, admite o empresário Juan Méndez.

Os setores que crescem nesta Argentina são os vinculados com os preços internacionais das matérias primas como agricultura (+3,1%) e minérios (+7,6%), que menos empregos geram. Os setores que encolhem são os que mais emprego geram como construção (-16,6%), comércio (-8,3%) e indústria manufatureira (-6,2%).

A Argentina deve fechar o ano com uma queda de 3,6% do Produto Interno Bruto, mas voltará a crescer no ano que vem, pelo menos, outros 3,6%.

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